<sub>Credit: Netflix [Image Source](http://www.imdb.com/title/tt5580540/mediaviewer/rm95566848)</sub>
As alterações dietéticas são um assunto em voga cuja discussão urge ser colocada em cima da mesa. Mas, com tanta publicidade dúbia a diferentes tipos de dietas, qualquer um pode ficar confuso sobre qual delas selecionar para conquistar uma vida saudável e próspera. Segundo a Organização Mundial de Saúde, as carnes vermelhas - cuja produção está ademais associada à libertação de gases promotores do efeito estufa - estão relacionadas com o aumento do número de casos de cancro intestinal, as carnes brancas estão pejadas de estrogénio, os filetes de peixe repletos de mercúrio, com doses sobre-humanas a serem acumuladas no organismo, e os produtos processados são fabricados, quais poções, com químicos impronunciáveis, sabor dos quais é amenizado por umas gramas extra de açúcar ou sal. Restam, portanto, poucas opções na despensa. Para mais, como se isso não bastasse, quando o número de habitantes que calcorreia este planeta perdido na Via Láctea é cada vez maior, com um crescente número de bocas esfaimadas para alimentar. Nesta dicotomia gastronómica, surgiram os movimentos defensores do início do consumo de petiscos já apagados da nossa memória ancestral: as raízes, as sementes e os insetos virão a conquistar a pedra basilar da roda dos alimentos dentro de poucos anos. Em oposição a tais teses, surgem outras que deixam o instinto animalesco, tão bem encoberto pela pele que protege a alma, mais à flor da pele. Tendo estas premissas em mente, surge Santa Clarita, uma localidade nos subúrbios de Los Angeles, onde residem Sheila (**Drew Barrymore**) e Joel Hammond (**Timothy Olyphant**), um casal de mediadores imobiliários que intercalam entre pregar cartazes com “Vende-se” junto às casas e manter uma relação amorosa sólida, enquanto tentam resistir à adolescência cataclísmica da filha de ambos, Abby (**Liv Hewson**), e à mesquinha curiosidade habitual dos vizinhos. Tudo parecia correr às mil maravilhas quando, num belo dia, fruto de uma indisposição do acaso, Sheila vomita as suas entranhas, literalmente, até aterrar no chão da casa-de-banho. Com a respiração em suspenso, quase se crê que morreu, mas, de súbito, ergue-se e continua a sua vida, como se nada fosse. Ou quase. De baterias recarregadas, Sheila sente-se preenchida por uma vivacidade incomparável, uma genica que lhe permite fazer mundos e fundos. Contudo, cedo percebe a drástica mudança que o seu organismo sofreu, ao sentir uma vontade incontrolável de ingerir carne humana. E, quando finalmente a prova, percebe que só esse repasto lhe poderá garantir a energia necessária para uma nova vida. Assumido um novo cardápio nutritivo, sobra-lhe uma tarefa ainda mais difícil: confrontar a família com o seu novo modo de “reviver”. Apanhados de surpresa, a filha e o marido passam por tempos amargos: se a primeira vê as suas flutuações hormonais serem ainda mais espicaçadas, justificando uma atitude de ataque contra o mundo, o segundo experimenta sentimentos dúbios que o levam a amar ainda mais a esposa, fazendo de tudo para satisfazer as suas necessidades mais macabras, ao mesmo tempo que, insatisfeito com esse destino, procura remediar a situação infernal que assola a sua família. Juntos terão de enfrentar as peripécias vivenciadas por quem, nunca recebendo o cognome de “zombie”, apenas vê a sua fome saciada por iguarias de requinte, como um “smothie de criminoso” ou um bife tártaro num cenário dantesco. Adivinha-se, pois, o talento mexeriqueiro dos vizinhos, responsável por aguçar o espírito de agente secreto no trio, que tenta assim escapar às intromissões dos curiosos.
<sub>Credit: Netflix [Image Source](http://www.imdb.com/title/tt5580540/mediaviewer/rm915553280)</sub>
Criada por **Victor Fresco**, que conta no seu palmarés com **My Name is Earl** e **Dinosaurs**, **Santa Clarita Diet** difere em certa medida das já habituais séries com mortos-vivos. Atreve-se a criar uma mitologia própria, repleta de cenas sangrentas e mutilações a perder de vista, não faltando inclusivamente um livro sagrado de feitiços, sem, no entanto, se distanciar muito da realidade. Fruto disso, enquanto outras se apresentariam com tons escuros e frios, a série prima por abordar as questões esotéricas ao de leve, com o uso de uma paleta de cores mais vibrante e um dinamismo de cenas não compatível com as terras de Belzebu. E, não descurando esse tema, aborda os sentimentos que assolam qualquer família, como a mudança, o amor, os desafios e os dilemas, a ponto de, certas vezes, quebrar a vertente mais cómica. Pretensiosismos à parte, a série acaba por conquistar o seu público graças à fantástica dinâmica entre Barrymore e Olyphant, graças à energia que entregam, ao riso fácil que conseguem fazer brotar e à empatia que poderão provocar nos espectadores, tornando até as ações mais inenarráveis de fácil compreensão. São estes momentos hilariantes que ajudam a desanuviar das cenas de matança tão viscerais e nada recomendáveis a estômagos sensíveis. É quase impossível ver apenas um episódio, não apenas pela sua curta duração, mas principalmente porque, qual *snack* bem conseguido, a água na boca que deixa só pode ser combatida com outro e mais outro.